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Música de Ruiz e de raiz

Entrevista / Estrela Leminski e Téo Ruiz, músicos
Por BRUNO CALIXTO

T éo e Estrela Ruiz têm o mesmo sobrenome, mas não são parentes, se conheceram em 2001 e, desde então, formam uma dupla na vida e na arte. Antes dos dois filhos, porém, deram à luz o “rebento” da poesia como instrumento da música, proposta que se desdobrou em três discos e um livro, “Contra-indústria”, publicado em 2006 como resultado da pós-graduação em MPB concluída por ambos. Fruto do casamento entre os poetas Paulo Leminski e Alice Ruiz, Estrela carrega a palavra no DNA, levando para o palco a responsabilidade de escrever versos, dividindo com o marido Téo Ruiz a tarefa de perpetuar a influência dos pais. Ontem, a dupla apresentou o show “Música de Ruiz” no palco do projeto “Musicamamm”, onde, um dia antes, Téo ministrou a palestra “A autoprodução musical”, em que abordou, sobretudo, a relação mercadológica entre a cena independente e os novos modos de produção no ramo da música. “A partir do surgimento das ferramentas digitais, começou a haver a reconfiguração de um cenário em que todos passaram a querer participar”, destacou o músico durante o encontro promovido pela Cooperativa da Música de Minas (Comum) no Museu de Arte Murilo Mendes (Mamm).
Reconhecidos pela versatilidade de suas produções, os artistas curitibanos utilizaram instrumentos peculiares, adotando recursos como música eletrônica e diversos ritmos brasileiros na busca de uma “música-poesia”. “Quando começamos a trabalhar juntos, Téo e eu sempre tivemos preocupação com a letra, queríamos compor canção, e não pretendíamos ser mais ‘um’, portanto nossas músicas acabam flertando com a Vanguarda Paulista no sentido de uma busca experimental”, ressalta Estrela, referindo-se ao movimento cultural iniciado nos anos 70 e retomado pela artista em seus estudos sobre música popular. “Sempre buscamos a sonoridade das palavras de uma maneira muito forte”, resume.
Após 70 minutos de explanação, Téo e Estrela conversaram com a Tribuna sobre a performance, a carreira, o futuro do Música de Ruiz e o que todos os presentes na palestra buscavam com aquele diálogo: quais são os caminhos da música contemporânea.
Tribuna – Téo, você disse que “A indústria da música não está em crise, o que está em crise é o mercado das gravadoras”.
Téo – Quando falamos em indústria fonográfica, estamos falando dos produtos e de como a música brasileira circula no país no sentido mercadológico. Quando ocorreu a crise das grandes gravadoras, toda a indústria estava em declínio, mas, da metade dos anos 1990 para cá, começaram a surgir outras formas de produção. As grandes gravadoras continuam aí, mas há segmentos dessa indústria que não existiam antes, como as gravadoras indies, que só ganharam importância econômica no Brasil nos anos 1990, sobretudo com o aparecimento dos autoprodutores nos anos 2000.
– Frejat e Lenine afirmam que se antes os músicos tinham um aparato a seu favor, hoje, na era da tecnologia em que todos podem fazer tudo – os autoprodutores -, o músico vem arregaçando cada vez mais as mangas, afinal ser independente passou a fazer parte do mainstream. Você concorda?
Téo – Exatamente. O músico inclusive está sendo obrigado a fazer isso. Não é à toa que nomes como Chico Buarque e Arnaldo Antunes abandonaram as majors e foram para as indies. Para eles começou a ser mais vantajoso. E essa razão não é quantificada.
– Como interlocutor geral do Fórum Nacional da Música, qual é sua avaliação quanto às políticas adotadas pela ministra da Cultura Ana de Hollanda?
Téo – A gente vinha de um momento de muita participação junto ao MinC. A organização da sociedade civil e o próprio surgimento do Fórum Nacional vieram disso, um diálogo que a ministra deu uma freada, conversando cada vez menos com a classe artística. Nós artistas, temos que continuar indo à luta.
– E você Estrela, carregando o peso artístico no próprio nome, a cobrança é maior por parte do mercado?
Estrela – Quando eu acerto alguma coisa, as pessoas dizem: “ah, é claro, porque é filha do Paulo e da Alice”. Quando erro, dizem: “nossa, apesar de ser filha de quem é, não deu conta”. Sou fadada sempre à questão de o fracasso ser meu e o mérito ser deles. É complicado, mas consigo filtrar muito em cima das pessoas que eu vejo que já conseguem diferenciar a obra deles da minha.
– Mas você não nega essa influência…
Estrela – Logicamente que não, aliás minha geração inteira é influenciada por eles, o mérito é de todo mundo, o meu é só ser filha (risos).Cada vez mais pessoas, mesmo as que não gostam do trabalho deles, acabam curtindo o meu, alguns só ficam sabendo depois que sou filha deles. E tem um lado que me deixa muito feliz que é ouvir muita gente dizer que é fã dos meus pais, porque também sou.
– Em que momento você percebeu que também seria artista?
Estrela – Comecei a escrever ainda criança, frequentando as oficinas de poesia da minha mãe, e muito nova me interessava por poesia, pelo que meus pais liam e faziam, e isso esteve muito atrelado a tudo. Meu próximo trabalho vai ser inclusive um resgate da obra de Leminski, não o letrista, mas o compositor, um lado que muita gente não conhece.
– O que é buscar ser simples e sofisticado como define o Música de Ruiz?
Téo – Foi natural depois que começamos a namorar e nos casamos. A letra para mim sempre foi muito importante. Às vezes, demoramos dias ou semanas. A mensagem também é muito importante, no sentido de tentar passar da melhor maneira possível o que pretendemos. A Alice, mãe da Estrela, fala que a música tem um tempo muito curto, diferente da poesia. O livro está ali, você pode ler e reler, enquanto a música, mesmo no “repeat”, tem um tempo curto de pegar e atingir o ouvinte, e a letra acaba sendo a porta de entrada para a canção.
– Desde que lançaram o livro “Contra-indústria” em 2006, muita coisa mudou, como o surgimento do MySpace, praticamente indispensável para qualquer artista profissional. Haveria a ideia de publicar uma versão atualizada da obra?
Téo – Não e por duas razões. Se fosse atualizar, deveria reescrever, pois tudo é muito dinâmico no mundo da música.
Estrela – A gente tinha paixões distintas quando escrevemos o livro. Fizemos a quatro mãos, mas, aos poucos, fomos nos apaixonando por caminhos diferentes: o Téo, mais pela autoprodução e eu, pela relação entre as questões estéticas envolvidas nisso.
– Quais os próximos planos?
Téo – Um novo site em breve e um DVD, estamos no processo de produção. Queremos colocar neste DVD um pouco de nosso trabalho artístico. A Estrela poeta, pesquisadora e cancionista, o Téo pesquisador, compositor. É claro que a ideia principal é o show, mas dentro deste show vai ter uma pincelada da outras atividades que a gente faz.
Estrela – Vivemos num mundo muito imagético, e quando a gente fala de mensagens, falamos sobre ideias musicais. Para um DVD, isto é relevante na medida em que as pessoas estão cada vez mais interessadas nesse olhar poético e imagético.

Publicado originalmente na Tribuna de Minas

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